O câncer de colo uterino é um dos mais comuns entre as mulheres. Atualmente, 15 tipos de papilomavírus humano (HPV) de alto risco são conhecidos. Entretanto, a infecção persistente pelos HPV tipo 16 e 18 corresponde a 70% dos casos de câncer de colo de útero; já os tipos 31, 33, 45, 52 e 58 são responsáveis por 19%. Apesar de a maioria das infecções pelo HPV serem transitórias após dois anos de exposição ao vírus, cerca de 10 a 20% das infecções persistirão, levando a doença progressiva e, finalmente, câncer invasivo. As duas principais formas de controle do câncer de colo uterino incluem: 1) prevenção primária, através de vacinação contra HPV; 2) prevenção secundária, através de detecção e tratamento precoce de lesões precursoras para o câncer de colo de útero. A vacina contra o HPV tem se mostrado eficaz e com bom custo-benefício na prevenção da infecção persistente pelo HPV. Há, nos Estados Unidos (EUA), três vacinas contra HPV disponíveis e aprovadas pelo Food and Drug Administration (FDA): bivalente (HPV 16 e 18), quadrivalente (HPV 6, 11, 16 e 18) e nonavalente (HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52, 58) que protege contra 90% das doenças e neoplasias associadas ao HPV, como displasias cervicais, vulvares e condilomas genitais.
Entretanto, mesmo com evidências da eficácia da vacina, grande parte da população mundial ainda não foi vacinada. Nos EUA, em 2018, apenas 51,1% dos adolescentes entre 13-17 anos foram vacinados com esquema completo contra HPV; 68,1% receberam ao menos uma dose da vacina. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 51% dos países incluíram a vacina contra HPV em seu calendário de programa nacional de vacinação. Contudo, a estratégia de prevenção de câncer de colo uterino ainda prioriza a detecção precoce de lesões precursoras. Apesar de a ação da vacina contra HPV ser bem documentada e aceita como prevenção contra o câncer de colo uterino, ainda estão sendo estudados seus benefícios como tratamento adjuvante para reduzir recorrência de displasia.
O presente estudo foi uma revisão sistemática e metanálise para avaliar a eficácia do tratamento adjuvante da vacina contra o HPV na prevenção de recorrência de lesões maiores ou iguais a neoplasia cervical intraepitelial tipo 2 (NIC 2) após excisão cirúrgica primária. Databases eletrônicas (Cochrane, PubMed, EMBASE, MEDLINE, Scopus e clinicaltrials.gov) foram pesquisadas por trabalhos comparando excisão cirúrgica isolada versus excisão cirúrgica associada a vacinação adjuvante contra o HPV para tratamento de lesões maiores ou iguais a NIC 2. Foram incluídos trabalhos publicados entre janeiro de 1990 a janeiro de 2019, com um total de 5.901 estudos. Os resultados primários pesquisados foram: 1) recorrência de lesão ≥ NIC 2; 2) recorrência de lesão ≥ NIC 1; 3) HPV 16 e 18 associado a NIC em 6-48 meses após tratamento.
Foram selecionados seis estudos com os critérios acima, totalizando 2.984 mulheres, entre 15 e 45 anos, sendo que:
- 1360 (45,6%) receberam vacina contra HPV adjuvante após excisão cirúrgica;
- 1624 (54,4%) foram submetidas a cirurgia isolada ou associada a placebo
A recorrência de lesões ≥ NIC 2 ocorreu entre 6-48 meses em 115 mulheres (3,9%) ao todo. Entretanto, a recorrência foi significativamente menor entre o grupo de mulheres vacinadas após tratamento cirúrgico: 26 entre 1360 (1,9%) versus 89 entre 1624 (5,9%) das mulheres (risco relativo [RR] 0.36 95% IC 0.23–0.55). O risco de lesão ≥ NIC 1 foi significativamente menor entre o grupo de mulheres vacinadas após tratamento cirúrgico, ocorrendo em 86 das 1360 mulheres vacinadas (6,3%) contra 157 das 1624 mulheres não vacinadas (9,7%) (RR 0.67 95% IC 0.52–0.85). Trinta e cinco mulheres desenvolveram lesão ≥ NIC 2 relacionadas aos HPV 16 e 18: nove (0,9%) receberam vacina adjuvante e 26 não foram vacinadas (2,0%) (RR 0.41 95% IC 0.20–0.85). O estudo apresentou limitações como inclusão de número pequeno de trabalhos, nem todos randomizados e mudanças nas terminologias das lesões precursoras.
A excisão cirúrgica primária de lesão ≥ NIC 2 associada ao tratamento adjuvante com vacina contra o HPV reduz em 66% o risco de recorrência de displasia cervical semelhante ou com maior grau, além de reduzir o risco de recorrência de lesões causadas pelos HPV 16 e 18. Entretanto, os resultados do presente estudo ainda não podem direcionar as atuais diretrizes do tratamento de lesões precursoras do câncer de colo uterino, uma vez que devido ao custo, a vacina não é acessível a todas as mulheres. Desta forma, a vacina contra o HPV poderia ser considerado como tratamento adjuvante nas pacientes que serão submetidas a excisão de lesão ≥ NIC 2. Estudos controlados e randomizados maiores são necessários para continuar a comprovação da utilidade da vacina contra o HPV no tratamento adjuvante de lesões precursoras.